quinta-feira, março 23, 2006

partilha-me


Todos os dias lhe contava o seu dia. Tudo. Até o mais desinteressante pormenor. Perguntava-lhe até à exaustão o que achava do que tinha feito. Era a forma que tinha de partilhar momentos em que não podia estar presente. Pensou escrever uma carta, um diário de papeis soltos tal como as coisas que lhe contava. Achou que seria melhor se lho contasse. Aborrecia-lhe as conversas indiscretas acerca do colega do escritório que cheirava mal. Não teria mais nada para lhe dizer se de outra forma fosse. Aborrecia-a. Vivia na ânsia de cumprir o programa que tinha traçado para si mesma. Vivia para que saísse para outro lado onde iria mais tarde sentir sufocada, pelas mesmas ou por outras razões. Isso não a demovia. Era verão. No Inverno passado a mesma coisa e assim na anterior estação. Aborrecia-a. Teve medo que algum dia, sem aviso, visse partir o comboio e ele ficasse ali, a contar, a ninguém, o que lhe tinha acontecido nesse dia. Calou-se. Falava agora de televisão. Mesmo aborrecido.

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